Poema | Edimilson de Almeida Pereira 26/06/2020 - 13:02
Na ópera de Wilfredo Lam
I
o signo não elide o chifre lunar.
há um nervo teso sob o seu traço.
com ele se escreve incêndio
antes que a floresta se apague. Paris
é um jardim à beira da cena. o esqueleto
de recife é sua ilha e esplende
: além da sua forma o que vai dentro
sob a folhagem acima da noite?
: além do seu núcleo impresso
numa oficina de Milano o que respira?
: além do rio numa foto mais do que a pele
o que vai dentro não se exprime,
acelera a agulha solar entre as árvores,
compõe sotto voce a economia do excesso.
II
quem é você? fora de si quem é você?
sua máscara seu enigma
o que extrair da superfície? quem
sou eu diante de você?
— sua voz nexo das esferas.
entre nós, um freio range a cada
gesto: “isso é impossível,
aquilo não pode,
indo a Marseille não se fie dos cordames,
se voltar de Londres inverta as rotas”.
sua voz semeia, seu eixo inclinou
para o deserto: onde a sua máscara de água?
em seu caderno de notas a língua
ressoa ao revés,
entendê-la não é um exercício de músculos.
indo ao continente, você desata o nó:
— onde a floresta submersa da cidade?
quem sou eu de terno e gravata
aos pés do edifício? lacerado e preso
ao rito à névoa ao nada?
a mão risca a superfície
— fora de si, quem é você? quem sou eu?
sob a língua empedernida de ontem?
traídos no metrô sem a chave do hotel
nos resta a colônia de balões amargos.
III
um lagarto escapa com o espírito da ilíada.
não seremos salvos, se queríamos algo
não é a sarça levada pelos anjos.
soam os corpos porosos.
é de guerra a música, embora muitos
se façam de surdos.
a alegria jaguar nos captura.
ao sol devorante do meio-dia formas insabidas
se libertam algum deus será demitido.
tudo é matemática no caos.
enlaçado às lianas sou máscara também: “não
se importe” — grita de longe o afiador de arpões.
“em qualquer língua mentirão
o seu nome. não se chame — inflame-se”.
a revanche do sol, a sede da floresta: adiamos
quem não suporta o breu translúcido das escamas.
— recusa acusa os crimes, ouço pulsar
a voz detrás da máscara. estou no refúgio-mundo
onde embarcam as ideias: sei quem é você
e a forma íngreme dos seus nervos.
EDIMILSON DE ALMEIDA PEREIRA é um poeta, ensaísta e pesquisador mineiro. Em 2019, reuniu parte expressiva de sua trajetória literária na antologia Poesia +, lançada pela Editora 34. “Na Ópera de Wilfredo Lam” faz parte de uma série surrealista em que o autor dialoga com algumas experiências estéticas do Caribe.